Qatar: O reverso da Medalha

04-01-2023


O Jornal Hermes traz-te um texto sobre o maior evento desportivo e esclarece-te sobre o sucedido no Qatar, o país selecionado para a realização do Mundial. Este artigo foi escrito por José Cerejeira e Radija Azevedo.


O futebol é o desporto mais popular a nível mundial, e muitos adeptos organizam as suas vidas em função desta modalidade. Este ano, nos meses de novembro e dezembro, realizou-se a 22ª edição da Copa do Mundo... no Qatar.

Para quem considerou estranha a calendarização desta competição, que, por norma, se realiza entre os meses de junho e julho, a resposta está nas condições climatéricas do país anfitrião. O clima desértico do Qatar faz com que, nos meses de junho e julho, as temperaturas ultrapassem os 40 ̊C, tornando as condições de jogo incomportáveis para os jogadores e um risco para a sua saúde.

Mas voltemos ao anfitrião e à polémica em que se viu envolvido, após o anúncio da sua eleição como país organizador do Mundial. Para além da opressão sobre o povo e da ausência de democracia e de respeito pelos Direitos Humanos, outro dos pecados do Qatar é o modo como trata os trabalhadores estrangeiros. Inquéritos de 2018 permitiram concluir que os operários das obras do Mundial trabalhavam 6 dias por semana e 10 horas por dia, em condições miseráveis e, em muitos casos, descritas como de escravatura, que trabalharam 148 dias seguidos, sem uma única folga.

Segundo estatísticas realizadas pela amnistia internacional, cerca de 1,7 milhões de trabalhadores migrantes participaram nas obras para o mundial do Qatar, 3200 trabalharam todos os dias no Estádio Khalifa, um dos estádios selecionados para a realização dos jogos, e mais de 234 homens foram abusados e explorados. Para além das condições de trabalho deploráveis, e das condições de vida, em acomodações sujas, apertadas e inseguras, os trabalhadores eram, ainda, recrutados sob falsas promessas sobre o salário e o tipo de trabalho oferecido pelos agentes. Situações houve em que os salários não foram pagos por vários meses, os trabalhadores ameaçados, impedidos de mudar de trabalho ou sair do país, levando-os ao desespero. Todas as condições desumanas descritas levaram à morte de vários trabalhadores, cujas causas foram consideradas naturais ou atribuídas a doenças cardiovasculares, o que, dada a idade dos trabalhadores, era pouco provável de acontecer. Ocorreram, portanto, vários casos de violação dos direitos humanos...

Ainda que membro da ONU, o Qatar deixa claro que discorda da universalidade dos ideais presentes na Declaração dos Direitos Humanos, tendo a criminalização da homossexualidade presente no próprio código penal, onde a pena pode ir até 8 anos de prisão ou, em casos mais extremos, à aplicação da pena de morte.

No Qatar, não só a orientação sexual é condenável, como também qualquer elemento da comunidade LGTB+. Radicados numa sociedade de raízes religiosas, os catarianos consideram esses modos de vida pecaminosos ou, como eles próprios o denominam, "haram". Para além destes, outros termos já foram utilizados, inclusivamente por pessoas não praticantes do islamismo, nomeadamente um dos embaixadores da Copa do Mundo do Qatar que se referiu à homossexualidade como sendo um "dano na mente".

Esta atitude discriminatória levou à ausência de diversos adeptos de futebol e até de celebridades pertencentes à comunidade LGTB+ nos jogos do mundial, devido ao medo da perseguição e de agressão por parte da população conservadora do país.

Esta normalização de pensamento, que se tem vindo a evidenciar, mostra-se prejudicial na luta pelos direitos igualitários e independentes de género, orientação sexual e raça. Trata-se de uma situação intolerável e que foi agravada pela sujeição da FIFA ao capitalismo. Ao aceitar a inclusão de um país como o Qatar, que reduz à pobreza e à precaridade as condições de trabalho, quando organiza um evento desportivo com destaque a nível mundial, a FIFA incorre no incumpridor dos direitos humanos básicos e fundamentais e promove a discriminação racial.

Acusações de corrupção e suborno por parte do Qatar à Federação de futebol são feitas há mais de meia década, apesar de estas serem negadas, constantemente, pelas investigações decorrentes. Apesar de parecer não haver uma relação muito amistosa entre o Qatar e a FIFA, e de esta saber que o país candidato é reconhecidamente um transgressor dos direitos humanos, a decisão final elegeu o Qatar para ser o anfitrião desta Copa do Mundo. O país cuja candidatura nem sequer deveria ter sido aceite provou, assim, que o que move o futebol não é mais do que um jogo... de interesses!

José Cerejeira e Radija Azevedo

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