"A Eutanásia (ou a livre escolha de encerrar a vida dignamente)", por José Lopes

19-02-2023

O projeto-lei referente à despenalização e permissão da prática da eutanásia, que consiste na ação de pôr termo à vida de um indivíduo (requisitada por este e mediante condicionalismos, como por exemplo a existência de doença incurável), voltou a ser novamente chumbado pelo Tribunal Constitucional. A questão da legalização da eutanásia foi, de novo, alvo de uma intensa discussão na sociedade portuguesa.

A morte medicamente assistida, onde se inclui a prática da eutanásia, é definida da seguinte forma, no decreto da Assembleia da República Portuguesa nº 23/XV: "a morte que ocorre por decisão da própria pessoa, em exercício do seu direito fundamental à autodeterminação e livre desenvolvimento da personalidade, quando praticada ou ajudada por profissionais de saúde" (capítulo I, Artigo 2 "Definições"). Já a eutanásia é definida, no mesmo artigo, como "a administração de fármacos letais pelo médico ou profissional de saúde devidamente habilitado para o efeito". Como é possível verificar, a eutanásia, no molde da morte medicamente assistida, ocorrerá por decisão da pessoa que a requer e será efetuada por um profissional de saúde "habilitado para o efeito".

A defesa do direito a morrer digna e livremente pode ser munida de vários argumentos. Foquemo-nos, no entanto, no argumento simples, mas conciso, que foi utilizado, inclusive, no decreto de lei mais recente. No fundo, a decisão de morrer cabe ao indivíduo, o indivíduo é livre de tomar a suas escolhas em vida, portanto a ele também cabe, enfim, a decisão de como e quando morrer. É a prevalência dos ideais da liberdade e autodeterminação do Homem, que moldaram os próprios Estados democráticos contemporâneos.

Bem, contra a eutanásia existem, pelo menos, dois argumentos: primeiro, o enfoque da questão devia estar na incrementação dos cuidados paliativos e não numa prática que leva à morte do indivíduo - há assuntos mais urgentes para discutir; segundo, a vida humana é um direito e, assim, inviolável (e também protegida pela Constituição), portanto a eutanásia, permitindo a morte, restringe a vida.

Desde já, apresentar os cuidados paliativos como a solução para o sofrimento humano é ignorar que estes cuidados médicos não conseguem, em muitos casos, fazer face ao sofrimento excruciante da pessoa. E a verdade é que podemos incrementar o investimento e a melhoria dos serviços de cuidados paliativos criando também condições para permitir a eutanásia - uma coisa não tira a vez da outra.

De seguida, a vida humana é um direito inviolável, sim, mas o que será da Vida sem Dignidade e Autodeterminação? Porque é que pensamos na vida como meros sinais vitais e não como o caminho que um indivíduo tem o direito a percorrer e a terminar quando assim o determinar? Viver é um direito, mas não pode ser uma obrigação para quem já decidiu ou está a antever o seu fim. Quando alegarmos o direito à vida, não nos esqueçamos que este vem ligado ao livre-arbítrio e, no fundo, à liberdade individual. Querer impingir-me a obrigação de viver quando eu já não quiser é, em boa verdade, um atentado à minha liberdade de conduzir a minha vida digna e livremente no espaço de tempo que defini.

A liberdade e autodeterminação do indivíduo x ficará duramente afetada pelo facto do indivíduo y ter usufruído do seu direito a morrer dignamente e no tempo que determinou, antes que uma doença degenerativa o empurrasse para o caminho de um sofrimento longo e atroz? Provavelmente a liberdade e autodeterminação do indivíduo x não será afetada em nenhum aspeto. E se o indivíduo y quisesse morrer dignamente, antes que o prognóstico da sua doença se agravasse, mas o indivíduo x tinha poderes para lhe bloquear essa opção e acabou, de facto, por negar o direito de y a recorrer à eutanásia, reservando a este um futuro de sofrimento? Aqui a ação de x violou seriamente a liberdade e autodeterminação de y. A legalização da eutanásia e da morte medicamente assistida não viola as liberdades fundamentais, mas a sua proibição sim.

Enfim, o direito de um indivíduo terminar a sua vida, quando assim o entender, diz respeito, em última análise, ao próprio e não aos restantes membros da sociedade. A escolha da eutanásia ou a escolha dos cuidados paliativos é do foro pessoal. É apenas isso. É a Liberdade. É a Autodeterminação humana.

Legalize-se!

- José António Lopes, aluno do 1º ano do curso de História

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